Edmarcia Elisa de Souza

Se for procurar no mapa, o lugar onde Edmarcia Elisa de Souza nasceu é um pontinho sobre uma linha, num lugarejo chamado de 10º Linha no distrito de Culturama, município de Fátima do Sul, que fica a cerca de 80 quilômetros de Dourados, interior do Mato Grosso do Sul. Sua família continua ali, mas depois que ela passou pela UEMS e se formou em Ciências Biológicas, em 2005, muita coisa aconteceu. Hoje ela é pós-doutora e trabalha com o descobrimento de medicamentos contra doenças infecciosas no laboratório Unit for Drug Discovery, Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo.

Edmarcia nasceu no sítio, onde seus pais ainda moram e são agricultores, quando vivia ali também era agricultora. Lembra que foi uma infância muito boa em termos de educação e formação familiar com seus pais Erotilde e José, e com seus irmãos Márcio e Kathiani - que cursa o doutorado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Edmarcia sempre teve vontade de estudar, se dedicou e visionou um futuro melhor para ela e sua família.

“Eu era bastante dedicada aos estudos. Foi uma infância bastante feliz, fui muito bem-educada, mas tivemos as dificuldades, trabalhei no campo, e sempre fui muito dedicada, muito esforçada. Sempre me destaquei na escola”.

Primeiro ela estudou em uma escola agrícola da região e depois foi estudar o Ensino Médio na escola da cidade mais próxima, Culturama, no colégio Jonas Belarmino da Silva. Na época eram poucos os que sonhavam em entrar na faculdade, porque até então era impossível, do ponto de vista financeiro, para os pais trabalhando na roça conseguirem sustentar seus filhos em outra cidade para poder estudar. “Só que eu sempre acreditei que a gente podia conseguir, então eu fui, prestei o vestibular na UEMS e ingressei no curso de Ciências Biológicas, em Dourados, foi a primeira turma. A vida inteira eu estudei em escola pública, nunca pudemos frequentar escola particular”.

Ela se emocionou bastante ao lembrar que foi sozinha morar em Dourados para estudar, e que no primeiro ano da faculdade precisou trabalhar como garçonete. Na época, ela tinha uma rotina em que ficava bem sobrecarregada: ela pedalava por 40 minutos até o lugar onde trabalhava como garçonete, lá ficava das 8h às 16h. Ao concluir sua jornada ali, retornava para o lugar onde morava de bicicleta e se preparava rapidamente para tomar o ônibus no centro da cidade para iniciar a sua nova jornada para faculdade, e para isso ficava mais de uma hora de pé no ônibus. Assistia às aulas, voltava da faculdade por volta das 23h, quando pegava outro ônibus. Ao chegar em casa à meia-noite, ia estudar até às 3h da manhã, para que no dia seguinte pudesse repetir a rotina.

“Esse foi o primeiro ano da faculdade. Por quê? Porque eu precisava trabalhar para me sustentar. Eu não tinha outra opção. Então o que eu afirmo? A universidade tem o seu papel. É fundamental. Mas 80% do seu sucesso vem de fato, do seu esforço pessoal”.

No segundo ano da graduação ela passou no concurso para Técnica de Laboratório no Hemocentro e aí então tudo mudou, porque a rotina era mais tranquila e ela podia trabalhar pela manhã e estudar durante a noite.

Edmarcia Elisa de Souza

Foto: Arquivo pessoal

O Hemocentro foi uma grande escola para ela, profissionalmente falando, pois como sempre foi muito dedicada, rapidamente conseguiu sair das tarefas mais simples e passou para o laboratório de diagnóstico, onde podia participar da realização de exames mais sofisticados e uma série de atividades laboratoriais em que pode ter contato real com laboratório. E isso fez ela gostar cada vez mais da área.

Com o período da tarde livre ela conseguia se dedicar mais às atividades acadêmicas e participava de todas as programações que ocorriam na Universidade. Assim foi construindo o seu currículo, até que um cartaz em um mural possibilitou uma oportunidade ímpar. Ela viu que estava aberto um concurso da Academia Brasileira de Ciências para um estágio no laboratório de pesquisa de ponta no país, no Programa Aristides Pacheco Leão. Ela estava no 2º ano da faculdade, em 2003, viu o cartaz, juntou os documentos e pelo seu currículo participativo foi selecionada para fazer um estágio de dois meses na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no Hospital São Paulo em São Paulo, custeado pela Academia Brasileira de Ciências.

"O primeiro contato que eu tive com a ciência foi por meio deste Programa de incentivo à pesquisa científica que a Academia Brasileira de Ciências me proporcionou. É o que eu digo para os alunos: existia essa possibilidade, mas ninguém olhou para o lado, eu vi apenas um cartaz na universidade ocasionalmente e achei uma oportunidade interessante. Eu também sempre tive muitos incentivos dos meus professores, em especial da professora Maria Aparecida Martins Alves, a Cidinha. Ela me apoiou muito, sempre acreditou. Também tive o incentivo de outros professores da UEMS para que eu atingisse essa posição em minha carreira”.

Edmarcia Elisa de Souza

Edmarcia na 3ª Semana Acadêmica de Ciências Biológica, em 2012, n a UEMS, com a orientadora da Graduação Maria Aparecida - Foto: Arquivo pessoal

A primeira turma de Ciências Biológicas da UEMS é uma das turmas que mais posicionou profissionais na ciência, segundo ela. “Foi um período de descobertas, tanto para os alunos quanto para os professores da Universidade. Estávamos iniciando o curso, eu acho que foi uma injeção de ânimo para todos os estudantes. Então durante a graduação o que me despertou realmente a seguir a carreira acadêmica foi essa perspectiva de trabalhar com o que eu amava. Hoje tenho certeza, é o que eu amo mesmo!”.

Edmarcia Elisa de Souza

Depois que terminou sua graduação na UEMS, concorreu a uma vaga no curso de especialização em hemoterapia, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da UNESP de Botucatu, foi aprovada em primeiro lugar no concorrido curso.

Foi assim que ela conseguiu iniciar a carreira acadêmica. Concluiu então a especialização de dois anos da UNESP, no Hemocentro, e teve a possibilidade de conhecer ali o meio acadêmico e fazer a seleção para o mestrado em genética, no Instituto de Biociências da UNESP, de Botucatu. “O mestrado em genética foi bastante desafiador, e abriu portas para o doutorado”, afirma.

“Eu sempre fui conectada à carreira acadêmica, e iniciei o doutorado pela Unicamp, no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).”

Durante o doutorado ela foi para os Estados Unidos realizar um estágio laboratorial no Molecular Medicine Laboratory, University of Massachusetts Medical School, onde trabalhou com a identificação de fenótipos da divisão celular usando microscopia de células vivas (2014). “Eu sempre gostei da disciplina de Biologia Celular na graduação, devido em especial ao incentivo dos meus professores da UEMS, e nos Estados Unidos eu pude fazer pesquisa da mais alta qualidade e de ponta no laboratório onde fiquei. Se você me perguntar se em algum final de semana eu não fui ao laboratório, eu não saberia dizer, porque eu ia para o laboratório querendo ganhar o mundo e voltava do laboratório querendo ganhar o universo. Esse período nos EUA foi extremamente valioso e produtivo”.

Edmarcia Elisa de Souza

Edmarcia é ganhadora do Prêmio Capes/Interfarma de Tese - 2015 - Foto: Arquivo pessoal

O doutorado lhe proporcionou participar de vários eventos e conquistar vários prêmios nacionais e internacionais. Edmarcia é ganhadora do Prêmio Capes/Interfarma de Tese - 2015, concedido a melhor tese de doutorado do Brasil em Inovação e Pesquisa. O prêmio consiste em financiamento para pesquisa, prêmio em dinheiro, além de viagem para Brasília para receber o prêmio “foi um acontecimento muito significativo para a minha carreira”, afirma.

Edmarcia, é pesquisadora em um laboratório de biossegurança de nível 3, na USP, onde são realizadas pesquisas para o descobrimento de medicamentos contra doenças infecciosas, incluindo a malária e a COVID-19.

“O que mais importa para nós cientistas é o brilho nos olhos, é você realmente saber o que quer, porque o esforço vai fazer você chegar lá. Eu estou num ambiente em que você precisa disso, de maneira muito precisa. Hoje eu tenho responsabilidades em um laboratório de biossegurança de nível 3, onde nós trabalhamos com patógenos que trazem risco à saúde humana, como o vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19”, enfatiza.

“Me sinto muito realizada, porque fazemos pesquisa de ponta, de alta qualidade e que trazem benefícios para a humanidade. Isso foi o que eu sempre almejei! A gente está nesse ambiente em que as visões são “fora da caixa”, e eu acho que é assim que a ciência consegue avançar, acho que é disso que o Brasil precisa”, finaliza Edmarcia.

As pesquisas que Edmarcia desenvolve podem ser acessadas nos seguintes links:

https://agencia.fapesp.br/identificados-tres-compostos-naturais-que-impedem-a-replicacao-do-coronavirus/39718/

https://www.youtube.com/watch?v=06a7IPj4q1w

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