Leosmar Antonio

O ano era 2005, passou na televisão um comercial dizendo que as inscrições do vestibular da UEMS estavam abertas e que seria ofertada cotas para negros e indígenas. Leosmar Antonio não pensou duas vezes e falou para sua família que iria fazer um curso superior. Ele foi aprovado no curso de Ciências Biológicas, se mudou para Dourados, deixando seus familiares na Aldeia Cachoeirinha, em Miranda, e após uma longa trajetória, hoje, o Mestre Leosmar Antonio, de 38 anos, é Coordenador-Geral de Promoção do Bem Viver Indígena, no Ministério dos Povos Indígenas em Brasília. Entre suas atribuições, está o fortalecimento da agricultura ancestral, do etnoturismo, do extrativismo sustentável, do artesanato, restauração de áreas degradadas e das águas, conservação da biodiversidade e transição ecológica em territórios indígenas do país.

Leosmar é pertencente ao povo Terena do Pantanal Sul-mato-grossense, nasceu na Terra Indígena Cachoeirinha, numa área de transição entre Cerrado e Pantanal e sua infância foi no município de Miranda. Sua origem foi muito parecida com a infância das demais crianças de seu povo, ouvindo histórias dos mais sábios do seu povo, conhecendo as matas, adquirindo conhecimentos tradicionais e participando de rituais sagrados.

“Na nossa cultura as crianças são educadas para autonomia e para a liberdade, então desde cedo frequentei a roça, aprendendo a plantar, a fazer a leitura da mata, fazer a leitura do tempo, fazer a leitura da Lua, fazer a leitura do céu, aprendendo a produzir a nossa própria comida, aprendendo os conhecimentos ancestrais nosso povo, pescando”, lembra da infância.

Ele morava com os pais, Ecildo Antonio e Juliana da Silva, e os irmãos Edivaldo e Ederval na Aldeia, quando tinha cerca de seis anos a família, por dificuldades financeiras, teve que se mudar para uma fazenda, onde os pais trabalhavam como assalariados. Com o território indígena cada vez mais diminuto e a população crescente, não havia ensino fundamental completo nem Ensino Médio, e as dificuldades aumentavam com a ausência de políticas públicas dentro do território: assistência social educacional, saúde com estruturas de qualidade e políticas agrícolas.

Leosmar Antonio

Leosmar no laboratório de informática do programa Rede de Saberes, da UEMS, em Dourados - Foto: Arquivo pessoal

Com isso aos sete anos, Leosmar foi estudar numa escola (internato), na Fundação Bradesco no município de Miranda, o menino ficava na escola e nos feriados ia visitar os pais. Quando terminou o ensino fundamental a família retornou para a aldeia, mas como lá não tinha Ensino Médio ele ia estudar em uma escola não indígena, na cidade, em Miranda, tinha dificuldades diárias no deslocamento, alimentação e vestuário, mas conseguiu concluir o Ensino Médio.

E foi nesse período que ele viu a propaganda da UEMS na televisão. “A UEMS foi a pioneira no país a instituir essa política de reserva de vagas, então me interessei e por ter essa afinidade com a pauta ambiental, por essa relação que os povos já têm com a natureza, com a biodiversidade, por ser uma relação intrínseca com essas práticas, não tive muita dificuldade de escolher o meu curso e prestei o vestibular para Ciências Biológicas”.

Quando ele foi aprovado no vestibular, tinha muita determinação de que só iria retornar para a aldeia com o diploma. “Minha mãe me perguntou: “Você vai levar todas as suas roupas, mas e se não der certo?” Aí eu disse: “Mãe, eu só vou voltar quando eu concluir a faculdade, eu não volto antes disso”.

Ele se mudou sozinho para Dourados, em 2006, e chegou à cidade sem conhecer ninguém.

“A minha chegada na UEMS foi um pouco difícil, porque é muito difícil você sair de um contexto indígena, de repente você vai para um grande centro urbano, Dourados é a segunda maior cidade do Mato Grosso do Sul, não tinha conhecidos. Cheguei em Dourados e nesse primeiro dia até amanheci na Praça Antônio João, que é a principal praça em Dourados, e depois percorrendo lugares, procurando algum quarto para ficar”.

Ele estava realmente determinado a estudar, se inscreveu no Vale Universidade Indígena e enquanto o auxílio não chegava fez vários trabalhos para se sustentar: capinava terreno, furava buraco para fossas, trabalhava de servente de pedreiro e em supermercado. Seus irmãos viram seus esforços, então interromperam seus estudos para o apoiar e foram trabalhar em usinas sucroalcooleiras do Estado para ter condições econômicas para ajudar Leosmar na universidade.

Leosmar Antonio

“Consegui me segurar, diferente de muitos companheiros e companheiras que acabaram não resistindo a todas essas adversidades e acabaram desistindo. Mas com o tempo a UEMS foi instituindo esse acolhimento, instituindo programas de permanência, a UEMS criou uma condição bem acolhedora, uma dessas pessoas que fazia essa articulação interna era a professora Beatriz Landa que ainda está na UEMS, então ela também foi muito importante neste momento. Foi interessante a atuação da UEMS, as condições que a UEMS proporcionava para que os estudantes pudessem ter um pé pisando na aldeia e outro na universidade. Eu acho que essa dinâmica foi importante, criar condições para que os povos indígenas também tivessem uma certa frequência em seus territórios e estarem no espaço acadêmico”, destacou.

Leosmar ressalta que a UEMS instituiu programas que possibilitaram que os povos indígenas que estavam chegando pudessem dominar tecnologia, a informática, mas também programas que valorizavam os conhecimentos tradicionais, que levavam aos estudantes indígenas os conhecimentos sobre seus direitos previsto na Constituição Federal. “Eu participei de muitos processos formativos nesse sentido e isso foi estratégico, porque eu pude chegar aqui no Ministério dos Povos Indígenas munido dessas oportunidades que eu tive, de dialogar diferentes ciências e poder agora construir políticas públicas a partir dessa experiência de Universidade”.

Leosmar Antonio

Leosmar entrou na UEMS nos anos iniciais da oferta de cotas para indígenas e ele vê a política de cotas como fundamental, porque o espaço acadêmico dá condições para múltiplas atuações.

“Eu acho interessante a postura da UEMS, pois ela não percebeu os povos indígenas como um problema, mas vê os povos indígenas na universidade como uma grande oportunidade também para o desenvolvimento institucional e que os povos indígenas tinham muita a contribuir com a universidade. Porque os povos indígenas quando chegam no campo acadêmico, eles vem munido de todo um processo histórico, de conhecimentos tradicionais de uma perspectiva e percepção de mundo diferente e é interessante quando a gente dialoga com outras ciências, a gente promove o diálogo entre ciências diferente e a UEMS foi muito feliz nesse sentido”.

Durante a graduação Leosmar teve a oportunidade de ser bolsista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), lá teve a oportunidade de trabalhar em seu território, “selecionando bactérias dos solos do meu território e verificar em laboratório e experimentos a eficiência simbiótica dessas bactérias com cultivares alimentares tradicionais do povo Terena, e pensar uma ação que pudesse melhorar a vida do meu povo. Então eu vejo que todas essas experiências foram fundamentais, para que hoje eu tenha um olhar diferente e pense em ações que possam ser efetivas aos povos indígenas”.

E seu trabalho de conclusão de curso seguiu essa pesquisa que ele já executava na Embrapa, contribuindo para melhoria da qualidade de vida de seu povo. “Acho que isso foi marcante, porque você passar pela Universidade e conseguir construir algo que vai ao encontro com a luta do seu povo, uma demanda do seu povo, acho que isso não tem palavras que explique. Eu fiquei muito emocionado, porque esse trabalho demonstra muito a nossa capacidade também de ir para a universidade e produzir conhecimentos, produzir ciência, tecnologias adequadas e sustentáveis para atender a especificidade dos povos indígenas em diferentes contextos”.

Depois que saiu da UEMS, recebeu uma Moção de Aplauso da Câmara Municipal de Miranda, em 2018, pelos trabalhos que desenvolveu no país, especialmente no Mato Grosso do Sul. “Isso só confirmou a importância de receber essa formação da UEMS”, ressaltou.

Leosmar Antonio

Após finalizar a graduação na UEMS, ele retornou para a sua aldeia e atuou como professor do Ensino Médio. Teve a oportunidade de ministrar aulas na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul na formação de professores indígenas, para atuarem nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

“Os processos formativos que recebi na UEMS, de valorização dos conhecimentos tradicionais, me instrumentalizaram de uma forma, enquanto professor indígena, para que eu valorizasse os conhecimentos tradicionais também do meu povo dentro do espaço escolar”.

Nesse meio tempo ele continuou os estudos, fez mestrado em Desenvolvimento Local em Contexto de Territorialidade, pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande, e depois foi aprovado no processo seletivo da Fiocruz para ingressar no doutorado.

Leosmar Antonio

Leosmar Antônio em cerimônia junto ao xamã Terena após concluir o mestrado – Foto Arquivo pessoal.

Também foi consultor do programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento da ONU (PNUD), assessorando a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) que foi instituída em 2012, pelo Decreto 7.747. Posteriormente trabalhou no Centro Estadual de formação de professores indígenas, em Campo Grande, atuando na formação de professores indígenas para lecionar nas séries iniciais na educação infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

Até que recebeu uma mensagem, no dia 3 de janeiro de 2023, em que foi convidado a trabalhar no Ministério dos Povos Indígenas em Brasília…

Leosmar Antonio

No território Potiguara, na Aldeia Alto do Tambá, em Baía da Traição (PB), participando do I Seminário Águas Potiguara e ministrando oficina de Agrofloresta Indígena (2023) - Foto Arquivo pessoal

Leosmar Antonio

Ao receber a mensagem do convite de trabalho ele não acreditou, leu e releu para ver se era verdade que o secretário executivo havia entrado em contato com ele, a pedido da Ministra dos Povos Indígenas, para perguntar se ele teria interesse de compor a equipe do Ministério. Ele aceitou e no dia 14 de fevereiro já estava em Brasília sendo nomeado, foi uma das primeiras pessoas a compor a equipe.

Leosmar Terena, como também é conhecido, já chegou com várias missões urgentes. A primeira delas foi retomar políticas públicas que foram desativadas nos governos anteriores, uma delas é a Política Nacional de Gestão Territorial Ambiental Indígena (PNGATI), que foi instituída pelo Decreto 7747/2012, e nos últimos seis anos havia sido extinta das estruturas dos ex-governos.

Também participou da construção do Plano Plurianual 2024 a 2027, que é o principal plano que dá subsídio para o Governo Federal. “E dentro desse plano plurianual, que vai começar a vigorar a partir do ano que vem até 2027, nós propomos dois programas pelo Ministério dos Povos Indígenas: um é voltado para os direitos pluriétnicos e promoção da cidadania; e o outro programa é voltado para efetivação dos direitos territoriais, mas também para gestão territorial e ambiental indígena, que basicamente é a implementação dessa política nacional de gestão territorial indígena. Neste primeiro momento estamos construindo condições para, a partir do ano que vem, ter ações mais efetivas, em que a gente possa fazer entregas diretamente para os territórios indígenas”, explica.

Assim como a PNGATI (Política nacional de gestão territorial ambiental indígena), o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica também foi paralisado, e Leosmar representa o Ministério na Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) para a construção desse Plano.

Leosmar Antonio
Leosmar Antonio

Em visita a Brasília, em setembro de 2023, o reitor da UEMS, Laércio Alves de Carvalho, reencontrou Leosmar. Na época em que estudou na UEMS ele era estagiário do atual reitor, que na época era Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação.

Ele lembra que por conta da bolsa que recebia tinha que prestar serviços e seu trabalho era na PROPP, eles não tinham muito contato por conta da agenda de Laércio Carvalho. Leosmar fazia um trabalho administrativo, mas reforça que o encontro dos dois em Brasília foi muito significativo. “Eu fui apresentado ao professor Laércio, na época, pela servidora Rosa Decian, ela me disse: ‘eu quero te apresentar o professor Laércio nosso pró-reitor’ e consegui conhecer o professor Laércio, ele foi muito acolhedor. E depois daquilo eu jamais imaginei que a gente se encontraria aqui em Brasília, eu apresentando duas propostas de cursos de agroecologia intercultural Guarani Kaiowá e povos do Pantanal para o professor Laércio Carvalho, que agora é reitor da UEMS. E poder sentar em torno de uma mesma mesa e discutir parcerias, agora em instituições diferentes. Foi muito simbólico para mim, porque eu nunca imaginei acontecer isso, eu fiquei muito feliz”, finaliza Leosmar Terena.

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